segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

GAGARIN - CASSIANO RICARDO

(Texto interpretativo extraído de José FERNANDES: O Poema visual – Leitura do imaginário esotérico (Da antiguidade ao século XX) Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 110-114)
“Primeiramente, observamos que o poema se conforma a um círculo, anunciando a perfeição a que chegaram a técnica e a o progresso, estampados na evolução da indústria e da pilotagem de naves espaciais. Examinando as palavras que o circundam e que o amoldam, verificamos que , a despeito de as semias se prenderem à perfeição e à harmonia, todas as direções sígnicas e simbólicas apontam para uma semântica invertida, peculiar à ironia e ao humor. Nos rastros da ironia, podemos começar pela base mais extensa, moldada pelo período os que vão nascer te saúdam. De imediato, percebemos que este período intertextualiza a saudação que os gladiadores romanos dirigiam ao imperador: Ave, Caesar, morituri te salutant. Não obstante o poeta haver substituído os que vão morrer por os que vão nascer, está evidenciando, mediante os caprichos da ironia, que compreendem a ambigüidade e, às vezes, a inadequação das semias, o significado da morte. Se não, vejamos.
A seqüência verbal que encima o bloco à esquerda do círculo, ave bela ave, pode ser interpretada de formas diversas. O vocábulo ave, sem qualquer esforço hermenêutico, parace jungido à semia de saudação, mormente se conjugado com o segundo ave, que encerra a acepção de pássaro. Neste caso, teríamos uma saudação à bela ave, à cápsula espacial, ou ao próprio Gagárin, à medida que esta palavra russa significa pato*; portanto, ave. Mesmo não havendo registro nos dicionários, a interjeição ave é empregada também como expressão de surpresa, de estupefação. É evidente que a construtura sêmica do poema permite todas as interpretações, máxime se considerarmos que a ambigüidade recai também sobre o substantivo-adjetivo bela. Ao procedermos a correlação entre o exterior e o interior, ave bélica, verificamos que, em essência, a nave, ale de bonite, é guerreira, e bela, mesmo na parte externa, encobre certo hibridismo lingüístico, recobrindo, a um só tempo, beleza e guerra, bellum. Nestas circunstâncias, a interjeição ave, de ave bela, propende mais para assombro e perplexidade que para homenagem ou cumprimento:








Passando à parte superior do círculo-nave-poema, notamos que a ironia se adensa, pois os símbolos, mesmo encerrando maior hermetismo, permitem que os significados de guerra se confirmem. Neste ponto, o vocábulo ave tem diminuída a acepção afecta a pássaro, tendendo quase exclusivamente para a expressão saudatória ou de espanto perante o imponderável. Por sua vez, o ermo belonave, afora estender-se à beleza e à guerra, pode incorporar a sílaba na, de nave, compondo a palavra belona, extremamente significativa na conjuntura sígnica e simbólica do poema. Belona figura na mitologia grega como a deusa que preparava o carro e os cavalos de Marte, quando ele partia para a guerra. Mostrava-se nas batalhas com o semblante formidável, cabelos esparsos, uma tocha numa mão e um látego na outra, com o qual fazia retumbar o ar(...) Apresentava-se, em geral, armada dos pés à cabeça,de lança em punho.** A inserção da deusa no contexto vem confirmar a proposta que estamos sustentando: o vocábulo belo, antes de ligar-se à beleza e à magnificência da nave, constitui instrumento de voraz destruição. Belona, assim entendida, não firma apenas um jogo fônico-vocabular, mas consuma a semântica de guerra e de perfeição, porque, ao mesmo tempo, nave de Belona e uma nave bela, nomeadamente se considerarmos todos os atributos da deusa: formosura e ferocidade.
Neste jogo em que figuram, antes de tudo, as semias do avesso, a reiteração, desde dentro, da palavra belo, em vez de assinalar a proclamação de delirante harmonia e máxima expressão da criatividade humana, revela-se, na verdade, como incitação à luta, como faziam os antigos exércitos grego e romano, ao responderem ao desafio do comandante: bellum! bellum! É evidente que, nas circunstâncias estéticas e históricas do texto, a dualidade sêmica é inevitável. Aproximando-se mais do óbvio, ou seja, de significações denotativas, podemos admitir que se trata de uma dupla manifestação de deslumbramento perante a engenhosidade do aparelho: belo belo.
Seguindo esta postura hermenêutica, verificamos que as palavras que encimam o bloco, à direita, uma bela nave, não enunciam unicamente admiração face o maravilhoso como se era de esperar. Uma bela nave é um desdobramento fônico-semântico de belonave, vindo a (re)compor o significado de nave bélica. È claro que não podemos nos esquecer do sentido conotativo, uma vez que ele, no contexto geral, também se transforma em denotativo, porque revela um extraordinário acontecimento, capaz de elevar o homem ao engenho dos deuses. Entanto, o que se sobressai é a inadequação semântica. A palavra astronave, na significação de dentro e considerando que o poeta joga com o passado e com o presente, afora nomear um veículo hipermoderno, resultado da imensa capacidade criadora do homem, traduz-se, no subsolo da linguagem, como a nave do astro, isto é, a nave de Astreu, Titã que declara guerra a Júpiter e é derrotado, vindo a transformar-se em astro.***
Ao sobrepor as palavras e os significados, o poeta faz com que a controversa semântica se deposite, inclusive, no centro do discurso, notadamente na palavra pato. Colocada quase no centro do poema, ela passa a conjugar imagens que absorvem e refletem as polissemias que perpassam o texto. A conjugação de imagens possibilita a simbiose da nave com outros instrumentos de destruição, uma vez que pato selvagem era o código de identificação dos aviões de combate utilizado durante a Segunda Guerra Mundial, além da perfeita interação do pássaro-avião-nave com o próprio piloto, que carrega no nome as propriedade semânticas de ave. A adição do qualitativo selvagem ao vocábulo pato fá-lo incorporar, em todas as acepções, as semias de sanguinolência, de feridade. Diante desta situação, o termo ave volta a mesclar todas as ambigüidades da palavra colocada na periferia do poema-nave, pois seu papel não é instaurar equilíbrio, mas confirmá-lo, como podemos averiguar pelo simples posicionamento quase no centro. Esta posição se reveste de importância ímpar, porque ratifica o movimento da unidade para a multiplicidade, característica deste poema.
Se não bastassem os significados amplo e avesso das palavras, o poeta joga ainda com os simbolismos da mandala, dispondo os blocos de maneira a formar um círculo, que visualiza a roda da fortuna. Começando pelo círculo, observamos que as palavras que o compõem, não obstante aparentarem uniformidade, contradizem a perfeição que lhe é pertinente, uma vez que três blocos são formados por duas linhas e um, por uma única linha. A despeito de o quarto bloco apresentar-se mais extenso, deixa ele entrever certo desequilíbrio que, tanto no círculo, quanto na roda da fortuna, corrobora a semia de imperfeição, porque formado por uma única linha e por um maior número de palavras. Mas a evidência da imperfeição é, conseguintemente, da ironia que subjaz nos interstícios do discurso, advém da divisão do círuclo em quatro partes distintas. Ora, o círculo se caracteriza pela indivisibilidade; dividi-lo é ceifar suas propriedades, é deixar patente a destinação suspeita por que se pautam as conquistas espaciais.
A imperfeição que domina toda a construtura orgânica e semântica do poema é confirmada, também, pela semelhança formal com a roda. A roda, embora sugerindo as qualidades inerentes ao círculo, carrega certa dose de inacabamento, de contingência e de perecibilidade, justamente por relacionar-se com o mundo futuro, intrínseco à nave espacial e, mormente, aos feitos humanos, sempre apensos ao desar, como a marcar os seus limites. Além disso, ao constituir a expressão do processo circulatório, o circlatio, a roda se coliga ao movimento de ascensão e de descensão.**** Deste modo, a configuração do poema seria a materialização do máximo e do mínimo que sempre estigmatizaram as atividades humanas.
A disposição visual do poema, interligando o círculo à roda, e da fortuna, confere, de imediato, limitações que não permitem à belonave restringir-se ao campo semântico da beleza. A roda da fortuna conjuga-se às vicissitudes do mundo. Nada mais ambíguo no contexto técnico-científico, que a conquista do espaço, assinalada, a um só tempo, pelo avanço de mecanismos de condução do homem a viagens interplanetárias e por domínios que podem se estender a atividades bélicas. Assim, a nave, como a roda da fortuna, representa as alternâncias da sorte, a chance ou o revés, as flutuações, a ascensão e os riscos de queda*****, conforme as disposições dos raios de discernimento ou de insensatez e segundo as permutações do belo e do bellum.
Consoante a análise que vimos desenvolvendo, não é sem fortes razoes que o poema se divide em quatro partes. Primeiramente, ao ligar-se à universalidade, o número quatro proporciona a verdadeira dimensão da belonave, tanto no que se refere às aplicabilidades práticas — viagens interplanetárias, domínio técnico-científico e, marcadamente, domínio bélico —, quanto à ratificação das potencialidades de engenho do ser humano, capaz de transformar até mesmo as noções de belo artístico. A presença do quaternário na construtura do poema insufla-se inusitado efeito visual e confere-lhe incomensurável densidade sêmica, porque resulta inigualável, para exprimir a ambigüidade, a polissignificação crescente: belo, bélico, belonave, astronave.
É certamente segundo a polissemia do quatro que nos sentimos autorizado a dizer que todas as palavras do poema exercem uma semântica às avessas. É sob este prisma que as duas palavras que cortam o círculo verticalmente sintetizam toda a simbologia do poema. Se o quaternário concentra oposição irredutível e permanente entre ser e não-ser******, o poeta, ao contrapor belonave e nascer, reproduz a saudação dos gladiadores: os que vão morrer te saúdam. Gagárin, assim entendido, longe de revelar uma postura ufanista perante o progresso, deixa patente uma visão pessimista, como aquela já manifesta pelos poetas expressionistas, pois os que vão nascer, ao nascerem sob o signo da guerra, nascerão para a morte.
*Cf. MACHADO, J. P. Dicionário onomástico etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Confluência, 1984. p. 683
**SPALDING, T. O. Dicionário de mitologia. Belo Horizonte: Itatiaia,1965. p. 40
***Idem, p. 32
****Cf.JUNG, C. G. Psicología y alquimia. Buenos Aires: Santiago Rueda, 1943. p. 180
*****CHEVALIER, J. & GHERRRANDT, A. Diccionaire dês symboles. Paris: Robert Lafont; Jupiter, 1982, p. 830
*****Cf, ALLENDY, D. R. Le symbolisme des nombres. Paris: Chacornac Frères, 1984). p. 71-72

ALUNOS : WELLINGTON E WILLIAM J. 8A E 8B

TECENDO A MANHÃ


Um galo não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO


COMENTÁRIO


O poeta abre o poema fazendo uma paráfrase1 do provérbio "uma andorinha sozinha não faz verão". Depois, os sentidos de "tecer", "abrir", "começar", "costurar", "pintar", "unir", "fiar", "entrelaçar", entre outros ficam circulando por dentro dos versos. Contudo, a metáfora2 mais forte parece estar ligada a tecer, tecido que ganha forma, que ganha corpo ao longo do poema. Na 1ª estrofe há algo que chama a atenção: a presença de "galo/galos" em praticamente todos os versos, inclusive produzindo as rimas finais. (esta repetição colabora na construção de sentido de movimento, de construção do tecido, "um grito de galo" que vai passando de um a outro, tecendo a manhã ou o "amanhã", sentido também possível na leitura do título: um dia atrás do outro. Há outras três imagens que também vale a pena destacar: nos verso 7 e 8 da 1ª estrofe: "(...) se cruzem / os fios de sol de seus gritos de galo/"; b) na 2ª estrofe, no 1º verso: "E se encorpando em tela (...)" e c) (...) toldo de um tecido tão aéreo (...). Além disto tudo, o poeta nos desafia a dar sentido à palavra inventada "entretendendo".


ALUNOS : MARIA CAROLINA E MILLENA



VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA - MANUEL BANDEIRA




Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei



Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive



E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada



Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar



E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.


Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90

Manuel Bandeira: sua vida e sua obra estão em "Biografias".

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

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POESIA CONCRETA


POESIA CONCRETA


Em 1956, a Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada na cidade de São Paulo, lançou oficialmente o mais controverso movimento de poesia vanguardista brasileira: o concretismo*.
Criada por Décio Pignatari (1927), Haroldo de Campos (1929) e Augusto de Campos (1931), a poesia concreta era um ataque à produção poética da época, dominada pela geração de 1945, a quem os jovens paulistas acusavam de verbalismo, subjetivismo, falta de apuro e incapacidade de expressar a nova realidade gerada pela revolução industrial.São Paulo vivia então o apogeu do desenvolvimentismo da Era J.K. e seus intelectuais buscavam uma poética ideológica/artística cosmopolita, como tinham feito os modernistas de 1922. Por isso, um dos modelos adotados pelos concretos foi Oswald de Andrade cuja lírica sintética (“poemas-pílula”) representava para eles o vanguardismo mais radical.
* Desde 1952, os jovens intelectuais paulistas vinham procurando um novo caminho através de uma revista chamada Noigandres, palavra tirada de um poema de Erza Pound e que não significa nada.
"Todo o poema é uma aventura planificada"
Em síntese, os criadores do concretismo propugnavam um experimentalismo poético (planificado e racionalizado) que obedecia aos seguintes princípios:
- Abolição do verso tradicional, sobretudo através da eliminação dos laços sintáticos (preposições, conjunções, pronomes, etc.), gerando uma poesia objetiva, concreta, feita quase tão somente de substantivos e verbos;
- Um linguagem necessariamente sintética, dinâmica, homóloga à sociedade industrial (“A importância do olho na comunicação mais rápida... os anúncios luminosos, as histórias em quadrinhos, a necessidade do movimento....”);
- Utilização de paronomásias, neologismos, estrangeirismos; separação de prefixos e sufixos; repetição de certos morfemas; valorização da palavra solta (som, forma visual, carga semântica) que se fragmenta e recompõe na página;
- O poema transforma-se em objeto visual, valendo-se do espaço gráfico como agente estrutural: uso dos espaços brancos, de recursos tipográficos, etc.; em função disso o poema deverá ser simultaneamente lido e visto.
Exemplo destas propostas pode ser encontrado no poema Terra de Décio Pignatari:

ra terra ter
rat erra ter
rate rra ter
rater ra ter
raterr a ter
raterra terr
araterra ter
raraterra te
rraraterra t
erraraterra

terraraterra
Observe-se o despojamento e o jogo verbal deste poema de Haroldo de Campos:
de sol a sol
soldado
de sal a sal
salgado
de sova a sova
sovado
de suco a suco
sugado
de sono a sono
sonado
sangrado
de sangue a sangue
ALUNOS CASSIO E DOUGLAS

JOSE PAULO PAES



EPITÁFIO PARA UM BANQUEIRO


negócio

ego

ócio

cio

o



Deve-se lembrar que epitáfio é um texto que se coloca sobre um túmulo e que se propõe como um resumo da existência daquele que está enterrado. O título do poema, portanto, nos ajuda em muito na interpretação do poema. Trata-se de uma súmula do que a vida de um banqueiro.Sua primordial preocupação já aparece no primeiro verso: negócio. Esse termo é uma palavra-valise, ou seja, contém dentro de si várias outras, que são desmembradas nos versos subseqüentes, sempre contribuindo para compreensão do texto. Basta lembrar que “ego” lembra o egocentrismo que representou a preocupação com lucro acima de tudo, quase como um “cio”, uma obsessão desenfreada, numa atividade inútil, já que a usura é o pão ganho sem suor (“ócio”), que acabou por anular a existência desse sujeito, conforme muito bem se vê no último verso pelo signo “0”.Entretanto, o poeta não se aproxima apenas de Oswald de Andrade e dos concretistas. Sente-se nele uma familiaridade com Drummond, principalmente no aspecto gauche de alguns poemas.


ALUNOS DANIELE E ANA MARIA